Galeria Simões de Assis - São Paulo - Novembro de 2021
PAISAGENS INTERIORES
“Paisagens Interiores” estabelece diálogos poéticos e imagéticos entre a obra de Miguel Bakun, pintor paranaense cuja trajetória foi marcada por um apreço profundo pela paisagem, e de André Nacli, que, pela fotografia, tenta registrar um outro tempo – o das eras geológicas, do crescimento das árvores, do correr dos rios. De um lado, encontramos uma pintura discretamente solar, bastante lavada, marcada pelo uso de verdes, amarelos e azuis pouco saturados e meio manchados; as figuras são pouco definidas, sem contorno, e a urgência da pincelada se faz evidente pelas nesgas de tela que aparecem por detrás, intocadas. De outro, algumas fotografias nítidas trazem recortes da natureza em dias de luz branca e difusa, nas quais a textura dos elementos orgânicos do ambiente se faz intrincadamente visível pela lente; já em outras, apesar da imagem cristalina, há uma névoa densa por toda a superfície que cria uma veladura a embaçar a vista.
Em comum, Nacli e Bakun parecem buscar olhar para os mesmos elementos: as típicas araucárias da paisagem paranaense, a mata embaralhada, enquanto também procuram enquadramentos inusitados, ora em composições de pouco ou nenhum céu, ora em perspectivas verticais que recortam apenas um vislumbre da cena. Também em um traço compartilhado pelos dois artistas, os trabalhos sugerem uma certa atmosfera melancólica, talvez pela ausência quase total de figuras humanas ou animais (elementos que, naturalmente, poderiam habitar essas paisagens). Desse modo, mesmo em tempos distintos – afinal, estão distanciados por, praticamente, meio século –, parecem olhar para um mesmo ambiente, um mesmo contexto, um mesmo momento suspenso, que não carrega outras marcas e indícios de civilização que não uma ou outra casinha, e que não revela sua brasilidade a não ser pela espécie de pinheiro típica da região sul do país.
Desse modo, é possível notar como tanto o fotógrafo quanto o pintor transmitem em suas obras uma leitura de um lugar, das naturezas que encontram, reproduzindo suas impressões nubladas e suas emoções nostálgicas em cada trabalho. É por isso que a interlocução estabelecida como cerne de “Paisagens Interiores” trata simultaneamente de espaços imaginários e reais, líricos e concretos, imutáveis e fugidios, passados e futuros e, igualmente, sem tempo definido, congelados no gesto da pincelada e no segundo do clique. Bakun e Nacli, mesmo que separados pelo suporte, pela biografia e pela circunstância, encontram-se nessa exposição lado a lado, refletindo sobre o papel da paisagem na construção de uma ideia de lugar, mais do que de um lugar em si.
JULIA LIMA
2021
Fotô Editorial 2021
Edição e Texto / Editing and Text
Eder Chiodetto
Co-Edição / Co-editing
Fabiana Bruno
Design Gréfico / Graphic Design
Letícia Lampert
Coordenação Editorial / Publishing Coordination
Elaine Pessoa
Produção Gráfica / Graphic Production
Lili Goes
Publisher
Eder Chiodetto
Vendas:
https://fotoeditorial.com/produto/tempo-materia/
Galeria Simões de Assis - Curitiba - Fevereiro de 2021
VÃO
O Vão é uma palavra que dentre os seus conceitos no dicionário pode ser algo
desprovido de fundamento, separatista, inútil e um vazio. Contudo, ao que diz respeito a
arquitetura o termo vão é uma fenda, uma passagem entre paredes que faz com que o ar
e claridade entre. Duas estruturas que sustenta algo, que pode ser remetido como uma
ponte ou um portal. Que de modo simbólico pode se entender como uma travessia, tal
como a alegoria a Caverna de Platão 1, como a saída do indivíduo a luz para compressão
do mundo dito “real”, ao mesmo tempo que novos códigos imagéticos se reconfiguram
e se impregnam de enigmas, ao serem captadas pelo olhar. E que se justapõe, em uma
comparação a “Filosofia da Caixa Preta” 2, como posto também pela a autora Susan
Sontag. Onde a luz se abre do obturador e capta através deste feixe de luz uma
interpretação do mundo 3, tal como opera as lentes de André Nacli.
Um obturador que absorve paisagens e lastros de memórias, em um tempo tácito, em
que há uma “duração interior” 4, com resquícios de uma reminiscência que se prolonga
em um passado, presente 5, ou em um futuro possível, onde há vestígios de um ser que
um dia habitou, mas que hoje apenas resta fragmentos ao meio natural. As fotografias
de Nacli nos coloca também em um momento pós, em um futuro enigmático. Posto por
um presente que insere neste instante de incertezas, e por forças naturais que se
mostram em sua total magnitude, principalmente com relação ao homem. Em uma
objetiva em que ressoa resquícios estéticos do sublime, ao captar um natural e suas
complexidades que adentram antigas habitações em uma simbiose, que transcende o
conceito do belo, e se opõe ao racionalismo. Justamente por suas imagens indagar nosso
olhar sobre um vazio ontológico, tal como em o viajante sobre o mar de névoa 6 , e sua
insignificante pequenez do ser humano frente à imensidão da natureza e suas forças 7.
Assim, a exposição Vão, na Simões de Assis adentra no obturador interrogativo de
André Nacli, por uma luz que aciona em nosso olhar o tempo, espaço e um ser, mesmo
que este, o ser, não seja representado, mas está enquanto essência. Em uma lente que se
justapõe conceitualmente entre a pintura e fotografia historicamente entrelaçados na arte
e na estética. E nos projetam entre tempos, em jogos alegóricos que caminha em
silencio e reinterpreta o mundo. E cria diversos vãos em suas recodificações imagéticas
e dentre o conceito do vazio.
Ana Paula Lopes
2020
O Vão é uma palavra que dentre os seus conceitos no dicionário pode ser algo
desprovido de fundamento, separatista, inútil e um vazio. Contudo, ao que diz respeito a
arquitetura o termo vão é uma fenda, uma passagem entre paredes que faz com que o ar
e claridade entre. Duas estruturas que sustenta algo, que pode ser remetido como uma
ponte ou um portal. Que de modo simbólico pode se entender como uma travessia, tal
como a alegoria a Caverna de Platão 1, como a saída do indivíduo a luz para compressão
do mundo dito “real”, ao mesmo tempo que novos códigos imagéticos se reconfiguram
e se impregnam de enigmas, ao serem captadas pelo olhar. E que se justapõe, em uma
comparação a “Filosofia da Caixa Preta” 2, como posto também pela a autora Susan
Sontag. Onde a luz se abre do obturador e capta através deste feixe de luz uma
interpretação do mundo 3, tal como opera as lentes de André Nacli.
Um obturador que absorve paisagens e lastros de memórias, em um tempo tácito, em
que há uma “duração interior” 4, com resquícios de uma reminiscência que se prolonga
em um passado, presente 5, ou em um futuro possível, onde há vestígios de um ser que
um dia habitou, mas que hoje apenas resta fragmentos ao meio natural. As fotografias
de Nacli nos coloca também em um momento pós, em um futuro enigmático. Posto por
um presente que insere neste instante de incertezas, e por forças naturais que se
mostram em sua total magnitude, principalmente com relação ao homem. Em uma
objetiva em que ressoa resquícios estéticos do sublime, ao captar um natural e suas
complexidades que adentram antigas habitações em uma simbiose, que transcende o
conceito do belo, e se opõe ao racionalismo. Justamente por suas imagens indagar nosso
olhar sobre um vazio ontológico, tal como em o viajante sobre o mar de névoa 6 , e sua
insignificante pequenez do ser humano frente à imensidão da natureza e suas forças 7.
Assim, a exposição Vão, na Simões de Assis adentra no obturador interrogativo de
André Nacli, por uma luz que aciona em nosso olhar o tempo, espaço e um ser, mesmo
que este, o ser, não seja representado, mas está enquanto essência. Em uma lente que se
justapõe conceitualmente entre a pintura e fotografia historicamente entrelaçados na arte
e na estética. E nos projetam entre tempos, em jogos alegóricos que caminha em
silencio e reinterpreta o mundo. E cria diversos vãos em suas recodificações imagéticas
e dentre o conceito do vazio.
Ana Paula Lopes
2020
Museo Emilio Caraffa - Cordoba - Argentina - Ago18
LA TREGUA
La fotografía de André Nacli se desarrolla a partir del litigio entre la cultura y la naturaleza; una tensión no planteada en términos de dialéctica conciliadora, sino en clave de diferencia. El ser humano se desmarca del medioambiente y se opone a él mediante diversos enfrentamientos que tienen resultados contingentes y desiguales: alianza o destrucción, capitulación, revancha, creación de terceros espacios o pura marcación de límites. La cultura cuenta con expedientes distintos para elaborar su vieja pugna con la naturaleza; la producción de imágenes es uno de esos expedientes; la construcción arquitectónica es otro.
El encuentro con la naturaleza asume el doble sentido de coincidencia y conflicto. La obra de Nacli maneja ambos. Por un lado registra paisajes que se levantan, imponentes, ante la mirada, preservando su distancia y conservando su plenitud. Por otro, se refiere a la invasión llevada a cabo por la cultura que hace retroceder la línea del horizonte de una naturaleza cuyos bosques, aguas y tierras se repliegan. Pero hay un tercer momento que menciona cierto desagravio del ecosistema, que avanza, amenazante, para recuperar sus derechos avasallados e imponer la fuerza de sus ciclos vitales. En esos casos, los árboles y las piedras, el infinito horizontal del agua quieta o la potencia de las olas que regresan a la tierra recuerdan el talante de un medioambiente que se afirma ante la diminuta figura humana e irrumpe en sus lugares o en las ruinas de sus construcciones.
Por un lado, la omnipotencia de la cultura humana que sojuzga la naturaleza y le obliga a someterse a sus objetivos. Por otro, la insignificancia y la vulnerabilidad del sujeto ante la desmesura de un planeta que es, primordialmente fuerza viva, naturaleza. Acá nos encontramos cerca del concepto kantiano de “sublime”, basado justamente en el caso de fenómenos naturales desmedidos, inabarcables por ninguna forma, indomables en su impulso vital; inatajables en su energía generadora o destructiva.
Por eso la fotografía de Nacli no permanece en la pura descripción de paisajes potentes; sus imágenes sugieren el antagonismo antiguo entre la creación y el deterioro; entre la potencia de la materia y la finitud que marca el tiempo. La naturaleza es sometida al designio humano pero, en parte, se rebela contra él: indómita, reconquistando sus espacios, resistiendo a la cultura tecno-instrumental, menguando sus esplendores y sus frutos.
Pero este esquema no sigue el destino forzoso de la tragedia: la propia mirada humana es capaz, si no de revertir, sí por lo menos de reducir la adversidad del vínculo entre el hombre y su entorno. La fotografía recorta, fragmenta, se aleja para presentar todo lo que cabe en la mirada, se acerca para analizar el detalle, el vestigio o la huella de la selva o del mar en retirada. La fotografía de Nacli no sólo presenta los espacios inmensos de una selva intacta, sino los indicios de una escena amenazada por la extinción de especies, por la devastación del hábitat, por la contaminación y el saqueo de los recursos ambientales.
Hay otra salida ante el fatalismo del edén perdido: la construcción de espacios mediadores, la arquitectura que inventa obras abiertas al paisaje, las ciudades que conviven con sus pinos con los que litigan el terreno con cierta gentileza: con toda la que puede ofrecer una civilización insaciable.
Ticio Escobar
Julio de 2018